Poemas...

Poemas...
...nossas vidas não nos pertencem, e o que era biônico ontem é biônico hoje, no Pacote, não de Abril, mas de Janeiro a Dezembro. Mesmo assim tenho que vestir as vestes opacas do Estado, de chorar lágrimas de crocodilo, de fofocar sobre a ascensão de mais uma oligarquia, de ouvir menos Rachimaninov e curtir mais a tal Folia, e o mais cruel de tudo: resignar-me com a soberania do veredicto... (Anderson Costa)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

SONETO


Mesmo estando sobre um amor enfadonho
todos os meus dogmas e a minha agonia,
resta o restar do somente medonho:
negro sangrar que decerto não vira;
restam os víveres de sonâmbulos sonhos
sendo a coragem de curtas covardias
e o que do resto em mim mesmo não ponho:
todo o explicar de uma cosmogonia.
Até sem sabê-la gritarei aos humanos
os muitos gritares em mim patologia,
sabendo-a guia de costumes afanos,
sabendo-a fruto de modesta ufania
assim como restos de trapos e panos
cerzidos à moda de impura madrinha.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

SONETO


Dos homens, eu fui o vício e as chacotas,
não sendo o véu e a grinalda do gozo:
fui tão somente o grátis da amostra
ou a gorjeta em pó de duro osso.
No fim do dia, enfim, de umas patotas,
fui só o arquétipo de macilento rosto
não mesmo sendo o negro dessa cota:
eu fui risível e o fim de insano gosto.
Das bizarrices eu fui até recruta
de uns fartos seios murchos de uma puta:
ranzinza eu fui crescendo anos a fio.
Anos a fio só fui sendo o bastardo,
algo ilegítimo a ser em si tragado
junto à boca em sova de bons filhos. 

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

SONETO


Frutas podres caem, caem as minhas usuras
sobre o semblante dos autóctones nus,
sobre o parapeito das lesas prostitutas
caem cem mil vezes as amoras que não pus,
sem problema, na aurora que me esmurra,
que com força já as puseram na unidade dos meus tus,
assim como em mim puseram o somar-te dentro em duas
consoantes desvirginadas e estupradas pelos “us”.
Ó geradora improfícua, ó minhas mulas,
regozijai a chupança dos gulosos seios,
regozijai o valor das moelas tuas!
Ó geradora improfícua de hediondo feio,
regozijai o alvitre de fruta imadura
e o que em mim fecundara gestante receio.

domingo, 20 de novembro de 2011

SONETO


Às vésperas do meu próprio enterro
fui guiado sem cessar por instantes cronológicos,
predisposto a tombar no epitáfio dos enfermos
sem doenças e marasmos do sistema imunológico.
Sem sistema imunológico, sem os devidos graves erros
de uma vida vacilante longe ao raciocínio lógico,
meu enterro fora produto de algum fortuito meio
ou então, produto e soma de resumos antológicos.
Na missa de sétimo dia houvera as mesmas ladainhas
cantadas com veemência e furor às minhas
densas titicas postas em féretro qualquer.
Sob os mesmos sete palmos e as mesmas formalidades
fora meu corpo pessimista junto ao mofo da idade:
juntamente com a saudade do adeus e do até.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Exórdio

Exórdio do meu futuro segundo livro



No impulso de viver mais um dia de trivialidade, mais um momentinho sequer, levanto-me da cama a qual dormir toda a noite e, automaticamente, sento-me a mim e ao meu ser por sobre uma velha cadeira, já torta e um pouco à toa devido às sucessivas horas em que nela permaneci. Quase todas as manhãs é esse o meu ofício. Por sobre a mesa um pouco empoeirada derramo todas as minhas tripas, até o intestino delgado das acepções, todas as minhas artificiais convicções. Não me debruço sobre Dante, Rimbaud, Balzac ou Baudelaire, mas tão-somente sobre as poesias do Nauro Machado, sobre suas moelas viscerais, sobre o vazio da existência, não o schopenhaueriano, mas o meu próprio. Quando não, busco alguma energia que me galvanize, mesmo sendo-me uma autoflagelação, a andar rente a estátuas, a ouvir-lhes os cânticos sem aquele quê de melodia. Às vezes até canso desta existência e às vezes não, pois teoricamente o viver é só um. Às vezes também canso das horas ociosas que o alheismo venera, do vazio comunicativo que enche a vizinhança de merdas, das vermes que açoitam todas as entrelinhas, moldando todos à superficialidade.

Todavia, ainda há em mim um quê de esperança. Talvez ainda exista um restinho de sensibilidade entre as pessoas, neste convívio social que se diz contemporâneo devido à convenção numérica das vinte e quatro horas. Por que estou a dizer isso? Porque o que apenas vejo ao meu redor são paredes, algo rústico, idolatrias exasperantes e uma tosquiação dos que se elevam, uma cusparada feita ofício. E o que é o viver? É integrar-se a um partido político ou a uma religião e diariamente discutir com veemência a ambos, ou será apenas dizer que se é crédulo? Se isso é o viver, por favor, ponham-me vivo em qualquer mausoléu ou me joguem no poético além-mar, longe, bem longe das doutrinas que escarram na cabeça de todos, sem exceções, longe dos postiços sorrisos, dos que se prendem à frente dos anticoncepcionais tão vendidos na novela das oito. Por favor! Todos os dias assim se vão, às daninhas, entupindo-me as artérias, mijando sobre mim os seres-empáfia daqui e de acolá.

Assim também se vão minhas divagações, desnorteadamente sobre minha cabeça, algo assemelhado a uma auréola subtendida. Por isso levanto os braços e agradeço todos os dias a Deus: “que bom que as estórias não se repetem e que em algum lugar permanecem enquanto minha matéria fica retida num espaldar futurístico que não há, numa incertidão descompassada”. E enquanto não chega as propícias aniquilações subalternas, reflito tudo o que longe permanece, algo que morreu nas carnes de Foucault, de Nietzsche ou de Kierkegaard, algo individualista e que se esqueceu da plenitude desejada. Embora assim finja-me te digerindo, ó senhoras conveniências, a amarelidão das sequazes hepatites, hei de convir com o provérbio que diz ser a vida excelentíssima quando destituída de sabedoria.

Até ao anoitecer, qualquer manifestação de chulice é intrínseca à minha forma de organização artística. Sempre serei chulo, pois os meus chefes do dia-a-dia, todos os detentores da sabedoria e dos bons modos sempre me olharão de soslaio, continuarão a passar sem qualquer bom-dia me dizerem, todos nas suas vestes egocêntricas. Não que os bons-dias signifiquem algo para mim. O que significa tão-somente é a hierarquia dos circundantes. Encontro-me mesmo é num necrotério de friorentos corpos já sisudos de tantas convicções, de tantas razões verdadeiras, de tantas verdades absolutas.

Enfim, o tempo sempre permanecerá em chamas, totalmente consumido pelo tedioso ornamento da onomatopeia: tique-taque, evaporando-se nas putrefatas matérias de milhares de cadáveres clandestinos, por aí à deriva de toda a substância, de todas as responsabilidades do desespero-fraqueza kierkegaardiano. Ainda há quem não veja o retumbar insolente de tudo que já foi ensinado, da ciência que se fez edificada. 


Mesmo quando não me convém, irei elucidar o que se deixa elucidar-se, irei chorar no meu próprio funeral, irei cuspir onde os olhos não alcançam, irei amarrar os ossos à fome mundial. Irei fazer tudo isso sem me ater a escapulários, a rosários, a procissões, a promessas. Se for pra cair, quedar-me-ei nas cinzas das minhas borradas pinturas, sem o belo arco-íris das demais vidas, sem a conta bancária que enseja as máscaras risonhas. Para alguns resta somente a reza, para outros a oração. Para mim resta a consolação de saber que há algo após meu findar, algo melhor que tudo isso, algo que não se move no respaldo estereótipo, algo que não chora por não ter que sorrir.
                                                                                                                   Anderson Costa

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Poema feito à meia-noite


O pobre é mais pobre (pauperização agora é arte). O abastado é mais abastado, e
somente um lado da balança pesa significativamente.
O achatamento é assíduo em todos os sentidos, e somente
quem sabe dizer tolices faz arte.
Vivemos num paradoxo político.
Nossas vidas não nos pertencem, e o que
era biônico ontem é biônico hoje,
no Pacote, não de Abril, mas de Janeiro a Dezembro.
Mesmo assim tenho que vestir as vestes opacas do Estado,
de chorar lágrimas de crocodilo,
de fofocar sobre a ascensão de mais uma oligarquia,
de ouvir menos Rachmaninov e curtir mais a tal Folia,
e o mais cruel de tudo: resignar-me com a soberania do veredicto.
Vivo vinte e quatro horas e o que aprendo? Que o viver não interessa,
mas tão-somente o existir.
Aprendi que tenho que trabalhar mais, trabalhar até
o fim para sustentar as prerrogativas de um ambicioso,
para preencher a lacuna das alíquotas.

Já quis


Já sonhei demais e ainda continuo a sonhar. Já quis ser rico (e quem nunca quis?), já quis almoçar numa imensa mesa de fartura com os meus irmãos mendigos, já quis ser político para acabar com a discriminação empregatícia, com o desprezo que se é dado a algumas profissões, com o olhar de desdém que se é voltado para uma determinada classe. Já quis viver somente para a leitura, já quis até ser poeta, já quis dá valor ao que não é mais valorizado, já quis ouvir Mozart enquanto outros ouviam um tal de arrocha. Já quis acordar tarde, sem preocupação de qualquer ofício. Já quis fazer reivindicações, já quis fazer a lei valer. Já quis aprender como o Charlie Chaplin aprendeu, lutar como lutou Martin Luther King, vencer como venceu Zumbi dos Palmares, fazer os fins justificar os meios como o fez Maquiavel. Já quis ter um pouco da arrogância do Bonaparte, deixar de ouvir baboseiras e ficar surdo qual ficou Beethoven. Já quis largar de estudar, de decorar, de ter que me preocupar com a forma de ganhar dinheiro, já quis poder dá cem reais a um catador de lixo, destituir os poderosos do poder, destronar o Sarney, viver como o Chico Mendes, ganhar dinheiro como Bill Gates, profetizar como Jesus Cristo, aprender como um aluno comportado. Já quis e quero ainda muitas coisas. Mas, de chofre, o que quero é sonhar com dias melhores. Com menos famintos espalhados, com o fim da concentração de renda, da corrupção sem vergonha e, sobretudo, com o fim da segregação.