Poemas...

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...nossas vidas não nos pertencem, e o que era biônico ontem é biônico hoje, no Pacote, não de Abril, mas de Janeiro a Dezembro. Mesmo assim tenho que vestir as vestes opacas do Estado, de chorar lágrimas de crocodilo, de fofocar sobre a ascensão de mais uma oligarquia, de ouvir menos Rachimaninov e curtir mais a tal Folia, e o mais cruel de tudo: resignar-me com a soberania do veredicto... (Anderson Costa)

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Poema feito à meia-noite


O pobre é mais pobre (pauperização agora é arte). O abastado é mais abastado, e
somente um lado da balança pesa significativamente.
O achatamento é assíduo em todos os sentidos, e somente
quem sabe dizer tolices faz arte.
Vivemos num paradoxo político.
Nossas vidas não nos pertencem, e o que
era biônico ontem é biônico hoje,
no Pacote, não de Abril, mas de Janeiro a Dezembro.
Mesmo assim tenho que vestir as vestes opacas do Estado,
de chorar lágrimas de crocodilo,
de fofocar sobre a ascensão de mais uma oligarquia,
de ouvir menos Rachmaninov e curtir mais a tal Folia,
e o mais cruel de tudo: resignar-me com a soberania do veredicto.
Vivo vinte e quatro horas e o que aprendo? Que o viver não interessa,
mas tão-somente o existir.
Aprendi que tenho que trabalhar mais, trabalhar até
o fim para sustentar as prerrogativas de um ambicioso,
para preencher a lacuna das alíquotas.

Já quis


Já sonhei demais e ainda continuo a sonhar. Já quis ser rico (e quem nunca quis?), já quis almoçar numa imensa mesa de fartura com os meus irmãos mendigos, já quis ser político para acabar com a discriminação empregatícia, com o desprezo que se é dado a algumas profissões, com o olhar de desdém que se é voltado para uma determinada classe. Já quis viver somente para a leitura, já quis até ser poeta, já quis dá valor ao que não é mais valorizado, já quis ouvir Mozart enquanto outros ouviam um tal de arrocha. Já quis acordar tarde, sem preocupação de qualquer ofício. Já quis fazer reivindicações, já quis fazer a lei valer. Já quis aprender como o Charlie Chaplin aprendeu, lutar como lutou Martin Luther King, vencer como venceu Zumbi dos Palmares, fazer os fins justificar os meios como o fez Maquiavel. Já quis ter um pouco da arrogância do Bonaparte, deixar de ouvir baboseiras e ficar surdo qual ficou Beethoven. Já quis largar de estudar, de decorar, de ter que me preocupar com a forma de ganhar dinheiro, já quis poder dá cem reais a um catador de lixo, destituir os poderosos do poder, destronar o Sarney, viver como o Chico Mendes, ganhar dinheiro como Bill Gates, profetizar como Jesus Cristo, aprender como um aluno comportado. Já quis e quero ainda muitas coisas. Mas, de chofre, o que quero é sonhar com dias melhores. Com menos famintos espalhados, com o fim da concentração de renda, da corrupção sem vergonha e, sobretudo, com o fim da segregação.

51.


Dos homens, eu fui o vício e as chacotas,
não sendo o véu e a grinalda do gozo
quando fui sendo o grátis da amostra
ou a gorjeta em pó de duro osso.
No fim do dia, enfim, de umas patotas,
fui só o arquétipo de anêmico rosto
não mesmo sendo o negro dessa cota,
eu fui risível e afim de insano gosto.
Das bizarrices eu fui até recruta
de uns fartos seios, embora de uma puta,
ranzinza eu fui crescendo anos a fio.
Anos a fio só fui sendo o bastardo,
algo ilegítimo a ser banal e amargo
junto á boca em sova de dois filhos.